ANÁLISE HERTZBERGER
Começo essa análise pela menor escala: meu quarto e mesclando também com uma análise da casa. Primeiramente entendo que é preciso descrever um pouco sobre ele, em poucas palavras é um cubo de 2,80m por 3,30m e pé direito de 2,80m e ele faz parte de uma ampliação da área da minha casa, que antes era uma varanda, ou seja, acompanhei todas as fases de sua construção desde levantar as paredes até colocar o piso. Fui o segundo morador desse quarto (a primeira foi minha coelha), mas quando cheguei nele não tinha absolutamente nada, apenas a parede pintada, o chão com cerâmica e a janela de vidro, durante anos a porta era só um vão e isso permite uma discussão interessante à luz do conceito das gradações de acesso do Hertzberger, até que ponto os quartos da casa sem a porta geram falta de privacidade ou integração? Quando não tinha porta ele era um convite para entrar a qualquer hora e isso possibilitava uma maior integração entre os usuários, quando chegou a pandemia fiz diversas mudanças no local: coloquei porta, cortina e prateleiras e de certa forma possibilitei que eu me fechasse dentro do meu mundo, cheguei a um meio termo, coloquei a porta mas não coloquei tranca, vejo isso como um meio convite para integração. Ou seja, pequenos elementos dentro de um quarto possibilitam uma maior integração entre os usuários, seja a porta ou o local físico para colocar televisão ou computador, quando ficam em um ambiente comum da casa (como é o meu caso) eles de certa forma forçam a integração de quem mora no local. O outro ponto que gostaria de destacar quanto ao meu quarto é que por mais que seja uma estrutura engessada ou, sendo mais direto, uma caixa de sapato, ele me possibilita diversas organizações espaciais e de uso e com isso insiro aqui os conceitos de funcionalidade, flexibilidade e polivalência e a relação do espaço e da forma com o usuário.
Eu sempre enjoei muito fácil da disposição dos móveis do meu quarto e por isso sempre troquei os 3 móveis principais entre si nas mais diversas combinações, como usuário me sentia mais inserido e satisfeito, mas analisando em termos práticos: foi projetado por um engenheiro para ser um quarto, de início era a casa de uma coelha, mas depois virou oficialmente um quarto, com o tempo adotou diversas funções mas nunca deixou de ser um quarto, hoje em dia é: escritório de trabalho, sala de aula, biblioteca/espaço de estudos e local para dormir e se adaptou tranquilamente à todas essas funções traçando assim a linha que delimita suas funcionalidades, ele se mostrou muito flexível a todas minhas investidas de mudança e isso aconteceu principalmente pelo caráter transitório dos elementos, eles são transportáveis para qualquer lugar. Um outro ponto que eu imagino é a capacidade dele poder se adaptar aos outros ambientes da casa, com algumas marretadas ele poderia virar uma extensão da sala de estar ou com algumas marretadas para o lado se acoplaria a outro quarto virando um grande cômodo da casa, mas é claro que aqui estou levando para uma intervenção mais forte no espaço que poderia acontecer pelo método construtivo empregado, se tivesse sido construído em alvenaria estrutural, por exemplo, eu não poderia fazer isso, ou seja, as diversas possibilidades de mudança estão intimamente ligadas com a futura composição dos usuários da casa invertendo a lógica mais usual (e errada ao meu ver) e fazendo o espaço se adequar ao estilo de vida dos moradores da casa e não o contrário.
Em linhas gerais minha casa segue a mesma ideia dos quartos e por isso a melhor discussão à ser feita sobre ela é acerca da gradação de acesso aos espaços, logo na entrada já tem uma varanda que constitui um espaço mais público dentro da casa, todos que chegam a ela terão acesso total a esse espaço. A casa segue essa gradação, de uma ponta a outra da casa tem menor privacidade (varanda e sala) ou maior privacidade (quartos). A casa foi dividida em áreas social, de serviço e íntima e isso facilita entender essa gradação. Assim como no quarto, por mais que cada cômodo fosse pré-identificado no projeto, na realidade tiveram alguns usos diferentes com a possibilidade de mudança a qualquer momento na disposição dos móveis. Um exemplo curioso foi a cozinha da parte nova da casa que por anos serviu de quarto de visita ou quarto para guardar coisas até de fato começar a ser usada como cozinha. Outro exemplo para pensar na interação usuário-espaço é que como os quartos estavam totalmente vazios inicialmente, cada usuário pegou suas tralhas e fez o que quis com o espaço, colocou prateleira de uma forma, pintou a parede de acordo com seus gostos e colocou os móveis como queria, isso tudo remetendo a frase do livro: "Cada usuário será capaz então de reagir a ele à sua própria maneira, interpretando-o de modo pessoal para integrá-lo a seu ambiente familiar. Uma forma pode evocar imagens diferentes em pessoas diferentes e em situações diferentes, e, deste modo, assumir um significado diferente, e esta experiência é a chave para uma consciência modificada da forma."
Pensando no lote tem um aspecto importante, a casa está em uma esquina e com essa informação faço duas considerações: com a disposição do lote criou-se vários espaços inabitáveis, ou seja, desperdiçou-se espaço que poderia ser utilizado de forma melhor (relação com o capítulo "Espaço habitável entre as coisas") e novamente mais uma relação de público e privado: a construção da casa não ocupa todo o lote e não possuí grades para além dos muros da casa, como acontece em todo o restante da rua, com isso formou-se uma pequena praça para uso das pessoas, com espaço arborizado e para passar o tempo e com isso um espaço que seria privado tornou-se de espaço comunitário.
Na questão da rua a análise complementa a do lote porém com uma questão temporal, ou seja, com o tempo as pessoas se fecharam cada vez mais em suas casas (todas são baixas por causa da rota de avião e praticamente a totalidade da rua é apenas residencial) e com isso a rua se fechou, crianças não brincam mais na rua, as pessoas já não se encontram mais para conversar ou para aproveitar o espaço. Um exemplo disso é: há 10 anos eu passava o domingo brincando na rua, hoje em dia, no domingo a rua se tornou completamente deserta (foto abaixo). Diferente do que é proposto por Hertzberger, essa rua residencial não é mais uma espécie de sala de estar, ou seja, uma espaço para convivência dos usuários e para realização de comemorações.
E por fim uma análise da vizinhança seguindo a mesma base da rua há uma diferença extremamente importante: minha casa está na divisa de dois bairros, um da regional Pampulha e outro da regional Venda Nova, são realidades completamente diferentes e isso constitui um bairro totalmente diferente em questões socioeconômicas e sociais. Hertzberger aponta isso no livro quando fala que pessoas com melhor condição socioeconômica tendem a ser mais fechadas no seu mundinho e aqui não é diferente. Em algumas ruas as pessoas só saem de carro e quase não são vistas e em outras as crianças soltam pipa e jogam bola durante a tarde, outras caminham em grupos de amigos/familiares/vizinhos. Observa-se que em muitos casos há falta de ação da prefeitura em, por exemplo, diversos lotes abandonados (de sua propriedade) que são espaços vazios e impossíveis de serem usados pela população que se fecha cada vez mais. Termino com um questão que vejo como importante, o que gerou a falta de interação e uso do espaço: a inoperância da prefeitura ou o fechamento das pessoas em suas quatro paredes e muros altos? penso que as pessoas podem não ter se sentido inteiramente pertencentes a rua e a largaram e quando elas largaram e não reclamaram a prefeitura pouco se importou e continuou com sua inoperância (estimulada por condições sociais e socioeconômicas da região onde se localizam os maiores espaços abandonados).
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